PARIS - “Nada mau como fantasia, gostei”, disse a mulher ao homem a
seu lado enquanto contemplava atentamente a tela “A roda da fortuna”, do
inglês Edward Burne-Jones (1833-1898), disposta numa das salas do Museu
d’Orsay, em Paris. O quadro, de dois metros de altura por um de
largura, revela a gigante deusa Fortuna no controle da roda à qual estão
presos um rei, um poeta e um escravo. A pintura que evocou a fantasia
sexual na visitante está em evidência no museu por um detalhe: os três
mortais estão nus. Na mostra “Masculino/Masculino — O homem nu na arte
de 1800 até nossos dias”, inaugurada no dia 24 de setembro e em cartaz
até 2 de janeiro, quase duas centenas de obras, em um período de dois
séculos, foram reunidas por sua representação da nudez masculina.
Além do interesse artístico, a exposição tem sido bastante comentada por seu tema e também por manifestações em seu entorno. Durante o vernissage, um estudante de Belas Artes se despiu às escondidas e circulou desnudo por entre os cerca de 2 mil convidados. Um dia depois, um homem posou nu para um fotógrafo diante do museu, estrategicamente postado entre os dois enormes cartazes da mostra: reproduções das obras “Mercure” (2001), da dupla de artistas Pierre et Gilles, e “O pastor Pâris” (1787), de Jean-Baptiste Frédéric Desmarais.
Censura em Viena
É a segunda vez em poucos meses que o nu masculino suscita a atenção pela arte. De outubro de 2012 a março deste ano, o Leopold Museum, de Viena, exibiu a exposição “Nackte männer” (homens nus), não sem causar polêmica. Diante de variados protestos, os organizadores se sentiram obrigados a ocultar as imagens do sexo masculino no cartaz da mostra espalhado pela cidade, com a reprodução de “Vive la France”, obra de 2006 dos mesmos Pierre et Gilles que exibe a fotografia de três jogadores de futebol vestidos apenas com meias até o joelho e de chuteiras. Ninguém protestou, no entanto, contra a imagem de uma mulher nua do célebre artista local Gustav Klimt (1862-1918), exposta há meses nos muros do metrô da capital austríaca.
A visibilidade adquirida pela exposição vienense e pela obra da dupla de franceses instigou Guy Cogeval, há seis anos no comando do Museu d’Orsay, a montar “Masculino/Masculino”. Para ele, o público se surpreende, sobretudo, pelo fato de o tema ser tratado por um museu tradicional.
— Ao contrário da nudez feminina, o nu masculino ainda choca. Pode-se exibi-lo, por sua beleza, em galerias de arte contemporâneas privadas. Nós tentamos mostrar todos os tipos de abordagens do nu, evitando homens em estado de ereção, que não são representados na arte clássica, e revelar esculturas pouco conhecidas do público — diz o presidente do museu.
Entre pinturas, esculturas e fotografias, apenas 15 do total de 187 trabalhos exibidos integraram a exposição de Viena. No percurso montado em subtemas — que vão do “ideal clássico” ao “objeto do desejo”, passando pelo “nu heróico” ou “a tentação do macho” —, Cogeval reivindica a quebra de cronologia e confrontações e diálogos inesperados entre obras de diferentes épocas, o que foi definido pelo crítico de arte Philippe Dagen, do jornal “Le Monde”, como um “erro de método” em um “grande bazar da virilidade”.
— No catálogo e na exposição há uma contextualização onipresente, com painéis explicativos em todas as salas. Apenas não seguimos uma ordem cronológica — justifica o presidente do museu.
Há o nu do modelo clássico ou da glorificação do corpo pelo esporte ou pela guerra; a nudez realista ou em comunhão com a natureza; o corpo em dor ou o desejo homossexual. Além dos artistas já citados, a mostra reúne nomes como Gustave Moreau (1826-1898), Paul Cézanne (1839-1906), Edvard Munch (1863-1944), Louise Bourgeois (1911-2010), Lucian Freud (1922-2011), Andy Warhol (1928-1987) e Ron Mueck (1958), não necessariamente nesta ordem.
Além de “Vive la France”, Guy Cogeval demonstra um especial apreço pela tela simbolista “Escola de Platão”, de Jean Delville (1867-1953), que encerra a exposição, ou pelas esculturas “O abismo”, de Just Becquet (1829-1907) , e “A explosão do grisu”, de Henri Greber (1854-1941), “duas obras desconhecidas do público”, nota. Os curadores citam ainda “surpresas” como “Os banhos misteriosos”, do grego Giorgio de Chirico (1888-1978), o “São Sebastião” do mexicano Ángel Zárraga (1886-1946) ou pinturas eróticas do americano Paul Cadmus (1904-1999).
“Na sociedade contemporânea, a nudez feminina é banal, enquanto a masculina possui algo de extraordinário. Desde o início da época moderna, a sexualidade masculina está excluída do campo das representações. A mulher é o corpo, e o homem, o espírito. Até no ato sexual”, escreveu Daniela Hammer-Tugendhat, historiadora da arte em Viena, quando eclodiu a controvérsia em torno da exposição “Nackte männer”. “Masculino/Masculino” tem atraído diariamente cerca de 5 mil pessoas ao Museu d’Orsay. A expectativa é a de que alcance um público total de 400 mil visitantes até janeiro de 2014, “o que seria algo excepcional”, avalia o presidente do museu. Ele já havia esboçado um projeto similar quando dirigia o Museu de Belas Artes em Montreal, no Canadá, mas na época teve sua ideia rejeitada.
— Foi mal visto lá. Eu pensava que Montreal era uma cidade liberal, mas não foi o caso. Aqui, nenhum dos grandes museus nacionais franceses ousaria montar uma exposição como esta — desafia Cogeval, ao procurar valorizar sua iniciativa.
Além do interesse artístico, a exposição tem sido bastante comentada por seu tema e também por manifestações em seu entorno. Durante o vernissage, um estudante de Belas Artes se despiu às escondidas e circulou desnudo por entre os cerca de 2 mil convidados. Um dia depois, um homem posou nu para um fotógrafo diante do museu, estrategicamente postado entre os dois enormes cartazes da mostra: reproduções das obras “Mercure” (2001), da dupla de artistas Pierre et Gilles, e “O pastor Pâris” (1787), de Jean-Baptiste Frédéric Desmarais.
Censura em Viena
É a segunda vez em poucos meses que o nu masculino suscita a atenção pela arte. De outubro de 2012 a março deste ano, o Leopold Museum, de Viena, exibiu a exposição “Nackte männer” (homens nus), não sem causar polêmica. Diante de variados protestos, os organizadores se sentiram obrigados a ocultar as imagens do sexo masculino no cartaz da mostra espalhado pela cidade, com a reprodução de “Vive la France”, obra de 2006 dos mesmos Pierre et Gilles que exibe a fotografia de três jogadores de futebol vestidos apenas com meias até o joelho e de chuteiras. Ninguém protestou, no entanto, contra a imagem de uma mulher nua do célebre artista local Gustav Klimt (1862-1918), exposta há meses nos muros do metrô da capital austríaca.
A visibilidade adquirida pela exposição vienense e pela obra da dupla de franceses instigou Guy Cogeval, há seis anos no comando do Museu d’Orsay, a montar “Masculino/Masculino”. Para ele, o público se surpreende, sobretudo, pelo fato de o tema ser tratado por um museu tradicional.
— Ao contrário da nudez feminina, o nu masculino ainda choca. Pode-se exibi-lo, por sua beleza, em galerias de arte contemporâneas privadas. Nós tentamos mostrar todos os tipos de abordagens do nu, evitando homens em estado de ereção, que não são representados na arte clássica, e revelar esculturas pouco conhecidas do público — diz o presidente do museu.
Entre pinturas, esculturas e fotografias, apenas 15 do total de 187 trabalhos exibidos integraram a exposição de Viena. No percurso montado em subtemas — que vão do “ideal clássico” ao “objeto do desejo”, passando pelo “nu heróico” ou “a tentação do macho” —, Cogeval reivindica a quebra de cronologia e confrontações e diálogos inesperados entre obras de diferentes épocas, o que foi definido pelo crítico de arte Philippe Dagen, do jornal “Le Monde”, como um “erro de método” em um “grande bazar da virilidade”.
— No catálogo e na exposição há uma contextualização onipresente, com painéis explicativos em todas as salas. Apenas não seguimos uma ordem cronológica — justifica o presidente do museu.
Há o nu do modelo clássico ou da glorificação do corpo pelo esporte ou pela guerra; a nudez realista ou em comunhão com a natureza; o corpo em dor ou o desejo homossexual. Além dos artistas já citados, a mostra reúne nomes como Gustave Moreau (1826-1898), Paul Cézanne (1839-1906), Edvard Munch (1863-1944), Louise Bourgeois (1911-2010), Lucian Freud (1922-2011), Andy Warhol (1928-1987) e Ron Mueck (1958), não necessariamente nesta ordem.
Além de “Vive la France”, Guy Cogeval demonstra um especial apreço pela tela simbolista “Escola de Platão”, de Jean Delville (1867-1953), que encerra a exposição, ou pelas esculturas “O abismo”, de Just Becquet (1829-1907) , e “A explosão do grisu”, de Henri Greber (1854-1941), “duas obras desconhecidas do público”, nota. Os curadores citam ainda “surpresas” como “Os banhos misteriosos”, do grego Giorgio de Chirico (1888-1978), o “São Sebastião” do mexicano Ángel Zárraga (1886-1946) ou pinturas eróticas do americano Paul Cadmus (1904-1999).
“Na sociedade contemporânea, a nudez feminina é banal, enquanto a masculina possui algo de extraordinário. Desde o início da época moderna, a sexualidade masculina está excluída do campo das representações. A mulher é o corpo, e o homem, o espírito. Até no ato sexual”, escreveu Daniela Hammer-Tugendhat, historiadora da arte em Viena, quando eclodiu a controvérsia em torno da exposição “Nackte männer”. “Masculino/Masculino” tem atraído diariamente cerca de 5 mil pessoas ao Museu d’Orsay. A expectativa é a de que alcance um público total de 400 mil visitantes até janeiro de 2014, “o que seria algo excepcional”, avalia o presidente do museu. Ele já havia esboçado um projeto similar quando dirigia o Museu de Belas Artes em Montreal, no Canadá, mas na época teve sua ideia rejeitada.
— Foi mal visto lá. Eu pensava que Montreal era uma cidade liberal, mas não foi o caso. Aqui, nenhum dos grandes museus nacionais franceses ousaria montar uma exposição como esta — desafia Cogeval, ao procurar valorizar sua iniciativa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário