10/09/2011

A três semanas da Europália, evento com artistas brasileiros em cinco países, repasses de R$ 30 milhões de verbas públicas ainda estão começando

Obras brasileiras na Europália - Composição (1957), de Milton Dacosta.  Foto Divulgação

RIO — Tudo o que se refere à presença do Brasil como país homenageado da 23ª edição da Europália é em grande escala, menos o tempo. Contando na programação com cerca de 130 shows, 90 conferências, 60 apresentações de dança, 40 de teatro e 16 exposições divididos por cinco países (Bélgica, Holanda, Alemanha, França e Luxemburgo), o evento terá abertura acompanhada pela presidente Dilma Rousseff em Bruxelas daqui a três semanas, em 4 de outubro. E até agora praticamente nada dos R$ 30 milhões do governo federal foi repassado a artistas e produtores.

A saga começou em 2010, quando o então ministro da Cultura, Juca Ferreira, aceitou que o Brasil fosse homenageado, mas não previu dotação suficiente no orçamento de 2011 — apenas R$ 2 milhões, segundo o diretor de Relações Internacionais do MinC, Marcelo Dantas.

Após nove meses de estica daqui e puxa dali, a ministra Ana de Hollanda chegou na última segunda-feira ao rateio final da conta: R$ 10 milhões saem do departamento de Dantas; R$ 6 milhões, da Funarte; R$ 4 milhões, do Instituto Brasileiro de Museus; R$ 1 milhão, do Itamaraty, e R$ 9 milhões são dinheiro de renúncia fiscal captado com 11 empresas via Lei Rouanet.

— Os repasses estão começando. Estamos apertados, mas ainda dentro do cronograma — afirma Dantas, que, perguntado se a programação está 100% confirmada, adota a cautela. — Sempre pode acontecer um cataclisma, ou o departamento jurídico do ministério ver problema em algum contrato. Há um grau de incerteza que é da natureza do processo.

Os curadores convidados trabalharam meses de graça, mas já estão recebendo. Os artistas chamados por eles ainda não. Esses curadores dizem não poder cogitar a possibilidade de verbas não saírem e nomes serem cortados.

— Vou defender cada um até o final. Se faltar um, perde o sentido. Nem que eu vá para a rua arrumar dinheiro — afirma João Carlos Couto, responsável pelas artes cênicas.

— Traria um ônus muito grande para a credibilidade do país. Seria uma crise diplomática — diz o curador de música, Benjamin Taubkin.

— Seria desastroso, algo extremamente negativo para o país em todos os aspectos. Não quero pensar nessa hipótese — afasta Sonia Salcedo, que selecionou os artistas plásticos contemporâneos.

Este setor, que conta com Beth Jobim, José Bechara e outros, é um dos principais focos de incerteza, pois há artistas que precisam montar seus trabalhos in loco, mas as passagens não foram emitidas.

— Vivemos um estado de espera sem informações. A ansiedade cresce e a desconfiança também. O Ministério da Cultura continua sendo uma excentricidade no orçamento federal, um ornamento — diz David Cury, escolhido para realizar a intervenção “Corumbiara não é Columbine” no centro de arte Bozar, em Bruxelas.

O trabalho da curadoria começou polêmico em fevereiro, quando o pintor Adriano de Aquino foi convidado para substituir na direção geral o crítico Paulo Herkenhoff, escolhido pelo ministro anterior. Foram substituídos os curadores de artes visuais — com alguns estrangeiros sendo trocados por brasileiros — e os conceitos das exposições, especialmente as duas principais, que serão abrigadas no Bozar: “Brazil.Brasil” (do século XIX ao modernismo) e “Art in Brazil” (de 1950 aos dias de hoje).

— Não ouso narrar a história da arte contemporânea brasileira só a partir da antropofagia. Ela não dá conta — afirma Adriano, que decidiu priorizar a linha construtivista, havendo uma grande mostra dedicada a ela (neoconcretismo e seus desdobramentos, por exemplo), com organização do crítico Ronaldo Brito e núcleos de Franz Weissmann, Volpi, Milton Dacosta e outros. — Os estrangeiros ainda querem ver o Brasil na linha “Uma aventura na África”. Quando nos mostramos contemporâneos na abertura de temas e reflexões, eles tentam nos diminuir. Isso aconteceu na relação com os belgas.

Tensões com os anfitriões

Todos os curadores relatam tensões no diálogo com os representantes da Europália. Uma das preocupações dos belgas era ter na programação artistas capazes de atrair público.

— O rapaz me disse que ninguém menos do que Paulo Coelho seria capaz de encher o auditório de 300 pessoas do Bozar. Não vejo Paulo Coelho tendo alguma coisa importante a dizer sobre literatura brasileira — diz a professora e ensaísta Flora Süssekind, que convidou João Ubaldo Ribeiro para ocupar a função de escritor brasileiro mais conhecido.

Segundo ela, foi preciso batalhar nome por nome, entre eles Bernardo Carvalho, Milton Hatoun e Silviano Santiago. Entre os poetas, uma noite será dedicada a Augusto de Campos, de 80 anos, que estará acompanhado de Adriana Calcanhotto, Arnaldo Antunes, Antonio Cicero e Cid Campos. Para a antologia por ora batizada de “Poesia brasileira contemporânea”, houve luta contra o belga que queria chamá-la de “A luz de Ipanema” ao ver potencial de vendas num verso de Claudia Roquette-Pinto.

— O que eles têm mais dificuldade de entender é quando a gente se pensa — ironiza Flora, que diz ter concebido a programação, que inclui conferências em universidades, imaginando poucos recursos (coube-lhe o R$ 1 milhão do Itamaraty).

Taubkin também ouviu — e rejeitou — a demanda por astros da música brasileira.

— Não se justificava enviar quem já vai com frequência à Europa. É preciso ampliar o espectro. Como é dinheiro público, quis fazer o mais abrangente possível — conta o músico, que convidou, dentre outros, Guinga, Tom Zé, a Velha Guarda da Portela e Céu, além de montar noites temáticas, como as reservadas ao choro e à viola caipira.

Assim como a literatura e a música, as artes cênicas estarão na Bélgica e nos outros países da Europália, entre outubro e fevereiro de 2012. Lia Rodrigues, por exemplo, estreará um novo balé, ainda sem título, em Paris, enquanto o diretor Enrique Diaz mostrará sua versão de “A gaivota” primeiramente em Amsterdã. João Carlos Couto também optou pela pluralidade, conciliando do Grupo Corpo ao Balé Folclórico da Bahia, das “Bacantes” de José Celso Martinez Corrêa a uma apresentação de índios caiapós e mehinakus.

— O Brasil pobrezinho ainda encanta a Europa. Precisamos dizer a eles que a mostra era artística, não social — diz Couto.


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