Depois de 20 anos dedicados a constituir um acervo virtual, o Museu da Pessoa se prepara para se materializar num espaço físico. O projeto é da fundadora do museu, Karen Worcman, e do arquiteto e urbanista Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba e ex-governador do Paraná. Três cidades estão sendo prospectadas para sediar a obra: São Paulo, Rio e Brasília. Tudo depende de quem cederá o terreno.
As negociações mais adiantadas acontecem em São Paulo. E, embora os coordenadores não adiantem informações sobre locais ou patrocinadores, o Valor apurou que entre as possibilidades da capital paulista estão em estudo o Parque do Povo, no Itaim, e a Nova Luz, área próxima à Sala São Paulo, na antiga cracolândia.
O projeto arquitetônico já está pronto. É de Jaime Lerner, como seria esperado. Prevê a construção num terreno de 6.000 a 8.000 metros quadrados e tem como estimativa de custo algo em torno de R$ 25 milhões a R$ 30 milhões. Inspirada nos contornos e sulcos de uma impressão digital, a planta resulta numa espécie de labirinto a ser construído em baixo relevo numa praça de areia, delimitada por uma moldura.
"Acho fantástica a história do Museu da Pessoa. Porque é a história de cada pessoa que, no fundo, é a história da cidade e do país", diz Lerner. "Pensei na impressão digital porque não há nada que defina melhor uma pessoa. E na areia, pelo significado do tempo que se escoa." Eles querem inaugurar o museu em 2014, a tempo de fazer dele uma atração para pegar embalo no movimento da Copa do Mundo.
O Museu da Pessoa foi fundado em 1991 com a proposta de documentar histórias de vida de qualquer um. Anônimos, famosos, gente de qualquer região, idade, sexo ou classe social. Os depoimentos, gravados em vídeo, foram armazenados num banco digital de forma a preservar a memória social em suas múltiplas vozes. A ideia foi da historiadora carioca Karen Worcman, que encontrou em São Paulo meios para realizar seu projeto.
Sediado numa pequena casa na Vila Madalena, onde trabalham cerca de 20 pessoas, o museu não é aberto ao público para visitação. Nem tem espaço para isso. Claro que visitas podem ser agendadas e quem quiser pode ir lá para contar sua história. Mas as instalações lembram as de um escritório ou de uma produtora, com estúdio de gravação, sala para encontros e arquivo digital. A nova sede concentrará tudo isso, terá espaço expositivo, auditório, biblioteca e acervo. A área de exposições terá divisões flexíveis de forma a se adaptar a cada evento.
Karen Worcman e Jaime Lerner se conheceram em 2010 num ciclo de conferências no qual cada um foi falar do seu trabalho. Lerner se encantou com a apresentação da historiadora. Ao final, aproximou-se dela no corredor e disse: "Tenho a impressão de que chegará o momento em que o museu precisará de um espaço físico para exibir e organizar os depoimentos. Quando você achar necessário, me liga".
Para Lerner, a grande vantagem do Museu da Pessoa ganhar um espaço físico é aliar a surpresa de cada depoimento a uma curadoria baseada numa programação de temas. No museu atual cada um é seu próprio curador e escolhe, pelo controle remoto do vídeo, que tipo de depoimento quer ver. Das paredes do museu atual, Lerner retirou a frase que, para ele, melhor sintetiza o projeto: "Porque a história da gente é como um novelo de lã. Puxou o fio, achou o começo. O resto vem sozinho".
Há outras frases, também, escritas em painéis coloridos no sobrado: do fotógrafo e empresário Thomaz Farkas (1924-2011), do imigrante Josef Zucha e de muitos outros. São europeus que contam como deixaram seus países durante a guerra e revelam detalhes singelos, como a dificuldade que tiveram para chegar ao porto antes da meia-noite, quando zarparia o último navio para o Brasil.
Fotos de brasileiros de norte a sul decoram os ambientes. Na escada, uma linha do tempo conta a evolução da instituição passo a passo. Depoimentos individuais acabaram por ser agrupados em núcleos: mulheres rurais, imigrantes paulistas. Também através de relatos de pessoas foram perfiladas empresas como Vale, Votorantim, Natura e Petrobrás. "Chegou um momento em que a gente percebeu que a mesma metodologia podia servir para várias coisas: para contar a história de uma grande empresa, de um quilombo ou do BNDS. Fizemos a história do comércio em São Paulo, vista por quem participou dele. Do sorveteiro japonês ao dono de uma loja de chapéus em Santos", explica Karen.
Hoje o museu se mantém e gera recursos pela prestação de serviços na área educacional, pelos clientes privados e por patrocinadores institucionais que fazem doações. O balanço da atividade revela números impressionantes. O acervo soma em torno de 15 mil histórias de vida, 72 mil fotos e documentos digitalizados que falam do Brasil nos últimos 100 anos. Tudo está sintetizado num portal que recebe em média 480 mil visitantes por ano.
Na área educacional já foram realizados 200 projetos. Além disso, o museu usa depoimentos orais para capacitar alunos e professores, forma pela qual já atingiu 700 escolas públicas no país. A vasta gama de atividades inclui ainda a produção de DVDs, documentários e de livros.
Durante a evolução do museu, Karen diz ter presenciado um processo de maturação das grandes empresas brasileiras no que se refere à comunicação corporativa. "A questão da memória passou a fazer parte das empresas de uma forma mais complexa do que a produção de um simples livro comemorativo. Para eles passou a ser importante ouvir o que os funcionários tinham a dizer e registrar isso".
Na década de 1980, depois de formada em história pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Karen começou a fazer uma pesquisa sobre os imigrantes judeus no Rio. Foi aí que surgiram os primeiros contornos do que viria a ser o Museu da Pessoa. "Entrevistei vários judeus que sobreviveram aos campos de concentração e ouvi histórias que não estavam em nenhum livro. Vi que havia aí uma forma de refletir sobre os acontecimentos através do depoimento das pessoas e de suas vivências. Mais ou menos o que um bom filme pode fazer."
Ao longo do tempo, o museu inspirou três experiências similares - no Canadá, nos Estados Unidos e em Portugal. Lerner acredita que qualquer cidade brasileira gostaria de abrigar o novo Museu da Pessoa. "Tem uma frase que gosto muito, que diz que o futuro está logo ali, basta atravessar a rua. Mas o que representa o passado na vida da gente! Ali, sim, está o peso, a referência."
FONTE: http://www2.valoronline.com.br/cultura/2618280/sp-e-favorita-sediar-museu-da-pessoa
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