Jovens da Favela da Maré expõem no Museu de Arte do Rio
“A fotografia serve para abrir os olhos das pessoas, para fazê-las
enxergar o que é a realidade delas”, afirma Ruan Torquato, um dos
integrantes do Mão na Lata, programa de arte-educação que usa a
literatura e a linguagem fotográfica.
Mas mais que a sua realidade, as imagens produzidas por Ruan e
seus amigos conectam um Rio de Janeiro do século 19 com a Cidade
Maravilhosa dos dias atuais. Estas fotos compõem o livro Cada Dia Meu Pensamento é Diferente (Nau Editora, 2003, 204 págs.) e a exposição homônima, em cartaz até 13 de abril no Museu de Arte do Rio, o MAR.
O projeto Mão na Lata, criado pela fotógrafa, designer e educadora
Tatiana Altberg em parceria com a Oscip Redes de Desenvolvimento da Maré
em 2003, promove oficinas de fotografia artesanal para jovens de 11 a
17 anos na comunidade da Maré. A técnica usada nas oficinas é o pinhole,
na qual os próprios participantes confecionam suas câmeras a partir de
latas de alumínio recicladas, revelam os filmes e escaneiam as imagens.
A ideia é compor as fotografias por meio de narrativas literárias que os alunos estudam a cada encontro. Em Cada Dia Meu Pensamento é Diferente,
os participantes trabalharam em contos do escritor Machado de Assis e
saíram pela cidade em busca de um Rio de Janeiro presente na obra do
autor. “Existe uma circulação pequena desses alunos pela cidade como um
todo. O percurso cotidiano deles é em grande parte na Maré. A gente foi
pra esse Rio de Janeiro do século 19 e foi um choque para eles. Ao mesmo
tempo, eles ficaram muito impressionados com a conservação das coisas,
ao ver como é difícil preservar essa memória”, afirma Tatiana.
Segundo Luiza Leite, professora de Literatura do projeto, as discussões
em sala levaram os alunos para o que chama de “atmosfera machadiana”: “O
Machado trabalha muito mais com uma espécie de paisagem interior dos
personagens, os conflitos internos. A ideia foi começar do mais externo
para o mais subjetivo. Começamos lendo outros autores, para depois ler o
Machado de Assis e finalmente escrever biografias, auto-biografias,
textos sobre a própria vida”.
As imagens foram produzidas em 2012 e retratam os conflitos éticos,
dilemas morais e a crítica presente na obra de Machado sob o ponto de
vista dos jovens da Maré. O passado e o presente são sobrepostos em
imagens de lugares citados pelo autor em seus contos e em locais que os
jovens fotógrafos transitam em seu dia a dia. Por meio de textos e
imagens, é como se eles fizessem uma reinterpretação de suas próprias
vidas.
É por isso que o resultado do trabalho parece ser mais do que o livro de
fotos e a exposição no MAR. “Perceber que sua própria vida é matéria
para literatura é fundamental e eu acho que eles conquistaram isso ao
longo deste trabalho. É um processo muito vagaroso, um trabalho de
construção. Cada encontro é dedicado à leitura de um pequeno conto e
depois à construção de uma pequena narrativa. Quando você começa a ler o
que os outros escrevem, começa a perceber que também pode escrever e
que qualquer coisa da própria vida ou do entorno onde você mora pode ser
narrada”, afirma Luiza Leite no vídeo de apresentação da exposição Cada Dia Meu Pensamento é Diferente.
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